BRASÍLIA e BUENOS AIRES – Os presidentes de Brasil (Michel Temer, interino), Argentina (Mauricio Macri) e Paraguai (Horácio Cartes) aproveitarão os eventos em torno da Olimpíada do Rio, nos quais os três estarão presentes, para discutir a delicada crise em que está mergulhado o Mercosul, principalmente pela disputa com a Venezuela em torno da presidência pro tempore do bloco. Uma das possibilidades que já vem sendo discutida entre altos funcionários dos três governos seria suspender os venezuelanos do bloco pelo não cumprimento de acordos essenciais do Mercosul em matéria de democracia e direitos humanos, bem como pela inadequação de Caracas ao cumprimento de normas que habilitariam o país a se tornar sócio pleno da união aduaneira.
— As credenciais democráticas da Venezuela não são exatamente brilhantes — disse ao GLOBO uma importante fonte da área diplomática.
De acordo com os argentinos, a conversa entre Temer, Macri e Cartes poderia ocorrer no jantar de amanhã à noite, organizado pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), ou na próxima sexta-feira, em encontro promovido pelo governo brasileiro.
— Podemos dizer que uma eventual suspensão da Venezuela está mais próxima do que há alguns dias — declarou uma fonte da Casa Rosada.
Além da questão política, o ministro das Relações Exteriores, José Serra, argumenta que é preciso esperar até o próximo dia 12, a fim de avaliar se a Venezuela conseguiu cumprir as exigências para entrar definitivamente no Mercosul. Em carta enviada na segunda-feira à noite aos chanceleres do bloco, Serra deixou claro que, se depender do governo brasileiro, dificilmente os venezuelanos conseguirão permanecer como sócios plenos, com direito a voz e voto. O caminho considerado mais viável para resolver provisoriamente o impasse, segundo o ministro, seria aceitar a proposta da Argentina — já rechaçada pela Venezuela —, que consiste em uma transição de “coordenação coletiva”.
“Torna-se evidente que se está diante de um cenário de descumprimento unilateral de disposições essenciais para a execução do Protocolo de Adesão da Venezuela ao Mercosul, que deverá ser avaliado detidamente à luz do direito internacional”, afirmou Serra na carta.
‘AUMENTAR A PRESSÃO’
A crise no Mercosul se arrasta há anos e recrudesceu com o agravamento da crise político-econômica na Venezuela. Para piorar, o governo Nicolás Maduro decidiu assumir unilateralmente a presidência pro tempore do bloco, seguindo o regime rotativo, sem o consenso necessário entre os membros, o que provocou profundo mal-estar. A Venezuela tomou essa atitude após o Uruguai anunciar o fim de seu mandato, na última sexta-feira, mesmo sabendo que Brasil, Argentina e Paraguai não admitem a possibilidade de o bloco ser comandado por Caracas.
— Uma coisa é certa: o Mercosul ficará totalmente paralisado nos próximos seis meses. Se a Venezuela convocar uma reunião, nós não iremos — disse a fonte argentina.
Desde a campanha eleitoral do ano passado, Macri deixou clara sua opinião sobre o governo venezuelano. O presidente argentino pediu a liberação dos presos políticos e hoje defende a realização de um referendo sobre a permanência de Maduro no poder. Macri tentou, por iniciativa da chanceler Susana Malcorra, estabelecer um diálogo que levasse a uma solução de longo prazo para os venezuelanos. Hoje, frisou a fonte, a Argentina acredita que chegou a hora de “aumentar a pressão”:
— Nós não aceitamos, de forma alguma, que a Venezuela presida o bloco.
A mesma postura exibem as autoridades paraguaias, desde o início as mais duras em relação à Venezuela. O presidente Cartes está decidido a avançar no processo de suspensão do país vizinho. Com o afastamento da presidente Dilma Rousseff, Temer também assumiu uma postura crítica.
Maduro e o presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, não participarão da conversa que acontecerá no Rio. Vázquez enfrenta tensões internas da aliança governista Frente Ampla, hoje claramente dominada pela ala chefiada pelo senador e ex-presidente José Mujica, que defende o governo Maduro.
No Uruguai, circularam versões de que o governo Vázquez foi acusado por Brasil e Argentina de ter provocado a crise ao encerrar seu mandato unilateralmente, sem poder transferir a presidência do bloco para a Venezuela.
Fonte: O Globo