A reforma trabalhista aumentou as alternativas de jornada que o empregado pode cumprir. As opções vão de sem jornada definida a 44 horas semanais, com expedientes diários variando de zero hora a 12 horas. O projeto de lei, que está tramitando no Senado depois de ter sido aprovado pela Câmara dos Deputados, admite também que as jornadas possam ser negociadas diretamente com o empregador.
Há ainda mudanças no intervalo de almoço e no de deslocamento, afetando o tempo que se fica à disposição do empregador. Alguns especialistas dizem que essas diversas formas de jornada já existem no mercado de trabalho, mas na informalidade. Outros afirmam que a reforma flexibiliza a lei a ponto de restringir a proteção ao nível da informalidade.
O projeto mantém a jornada máxima de 44 horas semanais, com a permissão de duas horas extras diárias, mas admite que um trabalhador seja contratado sem previsão de jornada específica, respondendo apenas à demanda do empregador, de forma intermitente. A reforma prevê ainda a admissão por tempo parcial. Atualmente, pode-se contratar por 25 horas por semana. Se o projeto virar lei, o empregador pode ter um funcionário por 26 horas semanais, admitindo mais seis horas extras por semana ou por 30 horas, sem possibilidade de aumentar a jornada.
A jornada de 12 horas seguidas por 36 horas de descanso já existe também, mas restrita a algumas categorias que acertaram essa alternativa por convenção ou acordo coletivo intermediado pelo sindicato. Pelo texto da reforma, será possível negociar essa jornada diretamente com o empregador, para qualquer categoria. Há ainda o tempo flexível nos contratos do teletrabalho (home office).
Para o economista Helio Zylberstajn, professor da USP, a reforma não mudou muita coisa no funcionamento do mercado de trabalho no quesito jornada:
— A reforma apenas trouxe para lei, na maior parte dos casos, práticas que já estão consagradas, inclusive por jurisprudência. A jornada de 12 horas com 36 horas de descanso é um exemplo. Como excede o limite máximo diário de oito horas mais duas extras, havia uma insegurança. Essa jornada já é realidade em algumas situações, como nas áreas de vigilância e saúde. Há decisões de todos os níveis dos tribunais confirmando isso.
EXIGÊNCIA DE HORÁRIO NA ALEMANHA
A reforma também libera a empresa a estender a jornada em caso de atividades insalubres sem consultar o Ministério do Trabalho. Pelo texto da proposta, a jornada deixa de ser uma questão de saúde e segurança. O Ministério Público do Trabalho é contra a medida, ao afirmar que os acidentes de trabalho acontecem exatamente nas últimas duas horas de expediente.
— É um tipo de jornada extenuante do ponto de vista físico, muda o horário de descanso e há interferência na vida social, criando dificuldades. Hoje, o sindicato entra para fechar as condições mais adequadas nessa estratégia. A nova regra joga essa negociação para o trabalhador numa condição de desemprego estrutural — afirma Clemente Ganz Lucio, diretor técnico do Dieese.
O que mais preocupa os analistas é o contrato intermitente, que não especifica jornada. O empregado só trabalha em dias e horas que o patrão chamar. Segundo estudo do advogado trabalhista Paulo Fernandes, na Alemanha, por exemplo, exige-se que o contrato fixe um período. Se não fizer isso, terá obrigação de convocar o trabalhador no mínimo dez horas por semana e por três horas diárias. Na Itália, com exceção dos setores de entretenimento, serviços ao público e turismo, as outras áreas só podem usar esse expediente por 400 dias a cada três anos.
O que se propõe no Brasil é semelhante ao que se pratica nos Estados Unidos e na Inglaterra, segundo Fernandes:
— Nos Estados Unidos, há um movimento para suavizar impactos negativos desse tipo de contratação. Oito estados e o distrito de Columbia exigem pagamento de valor mínimo a quem trabalha dessa forma, mesmo que não seja convocado.
No Brasil, a única restrição é para aeronautas, que estão fora desse regime. Zylberstajn diz que impor limites ao contrato intermitente vai impedir que a lei tenha efetividade:
— O contrato não vai pegar com restrições. Já existe esse tipo de trabalho no Brasil, em eventos, restaurantes. Não é inovação, só que está na informalidade. A lei trará proteção a algo que já existe.
O advogado Luiz Marcelo Góis, sócio da área Trabalhista do Barbosa, Müssnich, Aragão (BMA), diz que esse tipo de trabalho sem jornada é o que está gerando mais dúvidas entre os especialistas:
— O projeto fala que tem de avisar ao trabalhador três dias corridos antes. Mas, se tiver um feriado, e o empregado não vir a convocação e perder o trabalho? A questão da remuneração também é muito nebulosa. Quando esse empregado vai receber: na hora, depois de uma semana, depois de 15 dias?
HORAS EXTRAS NEGOCIADAS
Lucio, do Dieese, vai mais longe. Afirma que esse tipo de contratação vai provocar mais estresse e doença no empregado:
— Se eu recusar, o empregador vai me chamar outra vez? A vida vira um inferno. O trabalhador não terá como comprovar renda para conseguir um crédito. Toda a lógica é dar máxima segurança ao empregador. Se o trabalhador faltar por algum motivo, ainda ficará devendo ao patrão (o projeto prevê multa de 50% do valor a ser pago se o funcionário aceitar a convocação e não comparecer).
A negociação é ampla em relação à hora extra. A compensação é feita por acordo individual em banco de horas, mas terá que acontecer em seis meses. Se for por sindicato, pode ser em um ano. Atualmente, banco de horas só é admitido por negociação coletiva. Lucio, do Dieese, afirma que a nova regra é inconstitucional, já que a Constituição prevê que banco de horas só pode ser negociado por convenção ou acordo coletivo. Para mudar essa regra, o projeto teria que ser de emenda constitucional (PEC), que exige aprovação de três quintos dos congressistas, enquanto que, para o projeto de lei, basta maioria simples.
Fonte: Jornal O Globo