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ECONOMIA

PIB tem crescimento recorde de 7,7% no 3º trimestre, mas não recupera perdas da pandemia

Com o resultado, que vem depois de duas quedas trimestrais seguidas, a economia do País está no mesmo patamar de 2017, com perda acumulada de 5% de janeiro a setembro em relação ao mesmo período do ano passado

3 de dezembro de 2020 às 10:23

Uma maior reabertura das atividades em meio à pandemia e o impulso dado pelo auxílio emergencial fizeram a economia registrar no terceiro trimestre o maior crescimento em duas décadas. O Produto Interno Bruto (PIB, o valor de tudo o que é produzido na economia) saltou 7,7% ante o segundo trimestre, informou nesta quinta-feira, 3, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Essa é a maior variação da série histórica, iniciada em 1996, mas ficou abaixo do esperado por analistas do mercado financeiro ouvidos pelo Projeções Broadcast, que previam avanço de 8,80%. Com esse resultado, a economia do País está no mesmo patamar de 2017, com uma perda acumulada de 5% de janeiro a setembro, em relação ao mesmo período de 2019.

Embora seja mais forte do que o esperado no início da crise, a retomada ainda é insuficiente para recuperar as perdas do primeiro semestre. Tanto que o PIB registrou queda de 3,9% na comparação com igual período de 2019. A retração do PIB em 2020 deverá ficar em 4,50%, conforme pesquisa do Projeções Broadcast feita antes da divulgação dos dados do IBGE. Ainda que menor do que as primeiras projeções, feitas quando a covid-19 se abateu sobre a economia, se confirmada, será a maior queda anual da história – a mais intensa até hoje foi registrada em 1990 (-4,35%), na série histórica iniciada em 1901.

Foto: Werther Santana-Estadão

Em parte, a forte alta do terceiro trimestre se explica por um efeito estatístico. O salto se segue ao recuo de 1,5% no primeiro trimestre ante o quarto trimestre de 2019 e ao tombo, também recorde, de 9,6% no segundo trimestre.

De abril a junho, a retração foi tão pior do que em outras crises porque a economia foi “desligada” no início da pandemia, diz Eduardo Zilbermann, professor do Departamento de Economia da PUC-Rio, numa referência às regras de restrição ao contato entre as pessoas.

Como explica Zilbermann, o PIB é uma medida de fluxo, de quanto se gera de valor continuamente ao longo do tempo. Em outras crises – causadas por inflação, desequilíbrios nas contas externas ou bolhas financeiras, etc. -, as empresas entram em dificuldade, suspendem investimentos e demitem funcionários, ou a renda das famílias é corroída, e elas consomem menos. Assim, lojas vendem menos, mas seguem vendendo. Indústrias veem a demanda caindo e reduzem a produção, mas seguem produzindo. E o fluxo se reduz na comparação com períodos anteriores.

Só que o “desligamento” na pandemia fechou lojas, que não podiam receber clientes, e fábricas, que não podiam aglomerar trabalhadores. Vendas e produção foram para perto de zero, uma enorme queda na comparação com os fluxos de períodos anteriores. Mesmo que a parada para valer tenha ocorrido em abril, o fundo do poço, a reabertura gradual a partir de maio foi insuficiente para salvar o PIB do segundo trimestre, formado pelo fluxo contínuo em cada um dos meses.

Isso impulsionou o PIB industrial, que cresceu 14,8% sobre o segundo trimestre, com destaque para a indústria de transformação. Esse segmento, que inclui a fabricação de alimentos, saltou 23,7% sobre o segundo trimestre e registrou ligeira queda, de 0,2%, ante o terceiro trimestre de 2019. Para Silvia, apenas a mudança na demanda das famílias explica a atividade da indústria de transformação ficar em nível tão próximo ao do ano passado.

A retomada desigual também foi vista no PIB de serviços, que saltou 6,3% ante o segundo trimestre. O comércio, que inclui o atacado, avançou 15,9%, enquanto os “outros serviços” cresceram 7,8%. Essa atividade, que inclui hotéis, bares e restaurantes, despencou 14,4% ante o terceiro trimestre de 2019, indicando que, sem um controle da covid-19, a demanda por esses serviços está longe de voltar ao normal.

No terceiro trimestre, bastou a economia passar todo o período “religada” para o fluxo de valor gerado ficar muito acima do registrado no PIB do segundo trimestre, explica Zilbermann. Mesmo assim, esse fluxo foi inferior ao registrado nos trimestres de 2019, antes da pandemia. Por isso, a alta recorde sobre o trimestre imediatamente anterior não significa o fim da crise.

O quadro só não foi pior por causa das medidas do governo federal para mitigar a crise, como o auxílio emergencial para trabalhadores informais e as complementações de renda dos trabalhadores formais que tiveram suas jornadas de trabalha suspensas ou reduzidas.

“A recuperação no Brasil foi melhor do que nos pares na América Latina. Atribuo isso às políticas fiscal e creditícia”, diz Zilbermann.

Economistas já vinham ressaltando que o auxílio emergencial – que começou em R$ 600 ao mês e passou a R$ 300 por mês desde setembro – impulsionaria a economia. Nos primeiros meses, a renda extra chegou a tirar milhões de brasileiros da extrema pobreza, mas uma reversão nesse movimento já a partir de setembro reforçou seu caráter temporário. O consumo das famílias cresceu 7,6% sobre o segundo trimestre, puxando a recuperação.

Só que mesmo o avanço do consumo trouxe traços “heterogêneos” e “disfuncionais” da recuperação, segundo Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Com as famílias ficando mais em casa, mesmo após a flexibilização das restrições em várias cidades, o consumo de bens, especialmente os essenciais, como alimentos, avançou mais.

Segundo Silvia, essas peculiaridades levam incerteza sobre a recuperação. Os níveis de atividade da indústria de transformação e do comércio podem não se manter com a normalização dos hábitos das famílias. Além disso, o consumo tende a perder impulso sem o auxílio emergencial, a partir de janeiro. A pesquisadora do Ibre/FGV vê a economia com crescimento nulo, ou até novas quedas, no primeiro semestre de 2021.

Por isso, a manutenção do auxílio emergencial no próximo ano, ou sua substituição por um programa mais abrangente do que o Bolsa Família, tem dividido o debate entre economistas. Para Silvia, a economia brasileira está “entre a cruz e a espada”. De um lado, sem os gastos com transferência de renda, o consumo perde impulso. De outro, sem um remanejamento das despesas, os novos gastos agravam o rombo nas contas públicas, elevam o endividamento público, dificultam a rolagem da dívida do governo, elevam juros, aumentam a cotação do dólar e poderão pressionar a inflação – o que acabaria por minar a recuperação do PIB.

No outro lado do debate, há economistas que veem a elevação da dívida pública e a ampliação do rombo nas contas do governo como menos preocupantes, já que vários países estão fazendo o mesmo e os juros estão baixos no mundo todo.

A indicação de Janet Yellen, ex-presidente do Fed (o banco central americano) como secretária do Tesouro do governo do presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, sinalizou para mais gastos públicos para mitigar a crise em 2021. Nomes como o ex-secretário de Tesouro americano Larry Summers e o ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) Olivier Blanchard vêm defendendo mais despesas dos governos de países desenvolvidos para ajudar na recuperação da economia.

Para José Oreiro, professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), no início do próximo ano, a economia ainda não terá se recuperado da queda do primeiro semestre deste ano, o desemprego estará elevado e há chance de uma segunda onda de contágio da pandemia ganhar força. Nesse quadro, sem a prorrogação do estado de calamidade pública, em vigor até 31 de dezembro, o teto de gastos públicos voltará a valer. O governo será obrigado a fazer um forte corte nas despesas.

“Se retiramos o auxílio de maneira súbita, que é o cenário que se coloca hoje, vamos entrar em recessão em 2021 de novo”, diz Oreiro.

Apesar das divergências sobre política econômica, há consenso num ponto: a principal variável a determinar os rumos da retomada será mesmo a pandemia. Uma segunda onda que ganhe força, acelerando o crescimento do número de casos e de mortes poderá exigir novas medidas de restrição ao contato social, atingindo novamente a economia. O sucesso no controle da doença e a eventual vacinação em massa ao longo de 2021 levarão mais pessoas às ruas, ampliando o consumo e acelerando a recuperação.

Fonte: Estadão

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