
Artigo publicado no jornal O Globo.
Um elemento que, com frequência, tem surgido no diálogo mantido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública com autoridades estrangeiras é a preocupação com o aumento da criminalidade organizada transnacional.
A ameaça representada pelo crime organizado ao redor do mundo é um dos maiores desafios de nosso tempo. Se, no passado, a atividade delituosa era local, hoje passou a ser nacional e, crescentemente, global. O comércio ilícito de drogas, armas, madeiras, animais silvestres e metais preciosos, assim como o tráfico de pessoas, as fraudes eletrônicas e a lavagem de ativos, atualmente, não respeitam mais fronteiras.
No plano doméstico, o conceito de enfrentamento integrado da criminalidade orienta a Proposta de Emenda Constitucional que será enviada em breve ao Congresso Nacional, cujo objetivo é promover uma maior articulação entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, de modo a otimizar o emprego de recursos humanos, materiais, financeiros e tecnológicos na segurança pública.
A mesma lógica de integração vem sendo reproduzida no âmbito externo. O governo brasileiro tem intensificado parcerias internacionais nos campos do intercâmbio policial e da cooperação jurídica em matéria penal, mediante iniciativas conjuntas com outros países e organismos internacionais.
Caso emblemático é o Acordo entre Brasil e União Europeia, que o Ministério da Justiça e Segurança Pública assinou neste mês em Bruxelas, que formalizou a cooperação de nossa Polícia Federal com a Agência da União Europeia para a Cooperação Policial (Europol), ressaltando que já somos membros da Interpol e da Ameripol.
A integração no plano regional tem merecido especial atenção. Existem importantes iniciativas em curso, como a recém-criada Aliança para a Segurança, Justiça e Desenvolvimento, assinada em Bridgetown, Barbados, em dezembro de 2024, que reúne países da América Latina e do Caribe e terá apoio financeiro do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Em 2023, os países da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, reconhecendo a gravidade da ameaça representada pelo crime organizado transnacional, decidiram promover a troca de informações e a cooperação governamental para combater toda a sorte de atividades ilícitas, sobretudo os crimes ambientais. Com tal objetivo, foi criado o Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia, com sede em Manaus, que será inaugurado ainda neste semestre.
De outra parte, o Sistema de Intercâmbio de Informação de Segurança do Mercosul já permite o compartilhamento de dados de pessoas, veículos e armas de fogo entre os países do bloco. O próximo passo será reforçá-lo e ampliá-lo a fim de criar condições ainda mais sólidas para a integração social e econômica no subcontinente.
Ainda no âmbito do Mercosul, aprovamos, em dezembro último, o Grupo de Trabalho Especializado para o Combate às Organizações Criminosas, que permitirá a coordenação de operações e a troca de informações, em tempo real, entre as forças de segurança dos integrantes dessa associação sobre potenciais ameaças e riscos nas regiões de fronteira.
A crescente integração no plano externo das políticas e ações de combate ao crime organizado aponta para a necessidade de maior entrosamento entre as forças de segurança também no âmbito doméstico — hoje praticamente inexistente —, para a qual a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional mencionada configura condição incontornável.
*Ricardo Lewandowski é ministro da Justiça e Segurança Pública, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal e professor sênior da Universidade de São Paulo
Artigo publicado no jornal O Globo em 19/03/2025. Acesse aqui.