Aprovada em 2018, a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) entra em sua fase final de implementação em agosto deste ano. A partir do dia 1º, empresas e órgãos públicos que não se adaptarem à norma poderão ser punidos com sanções que escalonam de uma simples advertência a multas de até R$ 50 milhões.
A fiscalização deve mirar com mais atenção empresas que lidam diretamente com a coleta e o manuseio de dados pessoais de clientes e fornecedores. Principalmente, informações sensíveis. Isso inclui os birôs de crédito e as empresas de tecnologia -grupos que acompanharam de perto a elaboração da LGPD.
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A expectativa, porém, é que não ocorra uma mudança brusca nos próximos meses. A LGPD tem um histórico de atrasos. Sancionada pelo então presidente Michel Temer (MDB) há quase 3 anos, a legislação só entrou em vigor em setembro de 2020, na gestão Jair Bolsonaro (sem partido). No caso das punições, não será tão diferente.
A ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), órgão responsável pela fiscalização e aplicação da lei, ainda trabalha na regulamentação do processo administrativo que será utilizado para aplicar as sanções previstas. A proposta deve ser discutida em audiência pública nas próximas semanas e atrai a atenção do setor privado.
Segundo o advogado e diretor de pesquisa do Data Privacy Brasil Rafael Zanatta, há forte pressão das empresas para que a infração à LGPD só seja aplicada em caso de “consequência material” ao cidadão. Isso limitaria a punição apenas aos casos de dano concreto à vítima do vazamento, sem se aplicar a casos onde não houve consequências imediatas aos usuários atingidos.
“Nós nos opomos frontalmente em relação a isso. A gente entende que há um dano específico. Não é um dano [material] de se quebrar uma perna ou bater em um carro, mas há dano quando há violações a uso de dados pessoais. No caso de incidentes, há todo um conjunto de consequências decorrentes de vazamentos“, disse Zanatta. Uma das consequências seria os dados serem usados meses, ou até anos depois do vazamento, em golpes praticados por criminosos digitais.
Zanatta cita o episódio do mega vazamento de dados de uma clínica de saúde mental na Finlândia. Criminosos tiveram acesso à base usada pela instituição e tentaram extorquir os pacientes para que não divulgassem as informações pessoais, incluindo o que os pacientes da clínica diziam em suas sessões de terapia.
“Era uma clínica de tratamento médico, as informações eram muito sensíveis”, diz Zanatta. “Do mesmo modo que a lei de falências tem a preocupação de aplicar sanção que não quebre a empresa, pois há um valor social em mantê-las funcionando, é direito das pessoas ter a reparação em caso de vazamento ou mau uso de seus dados“.
Vínculo da ANPD gera receios
Encarregada de fiscalizar a LGPD, a ANPD foi constituída em setembro do ano passado. Inicialmente concebida para ser uma autarquia independente, a Autoridade é hoje vinculada à Presidência da República e presidida por Waldemar Ortunho Júnior, oficial do Exército e ex-presidente da Telebras. Ele foi indicado ao cargo por Bolsonaro e teve seu nome validado em sabatina e votação no plenário do Senado. Seu mandato é de 6 anos.
Ortunho não é o único militar no órgão. Arthur Pereira Sabbat, ex-diretor do Departamento de Segurança da Informação do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), e o engenheiro Joacil Rael também vieram de carreiras militares. Respectivamente, têm mandatos de 5 e 4 anos como diretores da ANPD.
Segundo a advogada Flávia Lefèvre, especialista em direitos digitais e do consumidor, a vinculação à Presidência cria receios sobre a independência da Autoridade para fiscalizar o próprio governo federal. Além das empresas privadas, órgãos públicos também devem se submeter às diretrizes da LGPD e podem ser punidos por violações.
“Quem mais detém dados, e aqueles sensíveis dos cidadãos, é o poder público. Então, ter a ANPD dentro da Presidência da República traz um enorme prejuízo“, afirmou Flávia. “É uma distorção em relação à finalidade dessa lei e aos entes que estão sujeitos a ela“.
A advogada afirma que o receio independe do governo instalado no Planalto. Mas o temor é maior considerando a situação política da atual gestão, comandada por Jair Bolsonaro. Flávia cita o episódio da produção de dossiês contra grupos antifascistas pelo Ministério da Justiça, que listava informações e dados pessoais de diversas pessoas. A elaboração dos relatórios foi proibida pelo STF (Supremo Tribunal Federal) no ano passado.
“Temos um governo com muito pouco apreço aos direitos fundamentais, como à liberdade, o de não ser vigiado, o de não ser discriminado. Esses valores são incompatíveis com aqueles que orientam o atual governo federal“, afirmou.
Para monitorar as ações da ANPD, a lei estabeleceu a criação de um Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade, composto por integrantes da Autoridade Nacional e da sociedade civil. O colegiado, porém, ainda não foi instituído e está em processo de escolha dos indicados em lista tríplice de diretores da ANPD. Caberá ao presidente Bolsonaro escolher os nomes que irão compor o Conselho.
Fonte: Poder 360