
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Duas emendas à Medida Provisória que prevê iniciativas para melhorar o ambiente de negócios no país buscam desafogar o Judiciário tornando obrigatório o uso de instrumentos de conciliação e arbitragem para resolver disputas empresariais. As emendas são polêmicas: elas contam com a simpatia do Ministério da Economia, mas enfrentam uma forte resistência por parte da classe dos advogados.
A MP do Ambiente de Negócios (MP 1.040/2021) foi assinada pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 29 de março e prevê a simplificação de processos de abertura de empresas e do comércio exterior, execução de dívidas e uma maior proteção a minoritários, dentre outras medidas.
A meta do Ministério da Economia é colocar o Brasil entre os 50 melhores países para se fazer negócios no ranking Doing Business do Banco Mundial já no ano que vem. Hoje o país está na 124º posição dentre 190 países.
No Congresso, o deputado Coronel Tadeu (PSL-SP) aproveitou a MP para incluir o tema da Judicialização na pauta do Ambiente de Negócios, sugerindo que o acesso ao Judiciário seja franqueado apenas após esgotadas as tentativas de conciliação extrajudicial.
A senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) também propõe a conciliação como primeiro recurso obrigatório para a resolução de controvérsias, mas vai além ao propor que o ônus sucumbencial (custas do processo) seja de responsabilidade da parte que se negar a fazer acordo e, ao recorrer à Justiça obtiver em juízo um valor inferior à oferta extrajudicial.
Não é de hoje que o poder público tenta promover a desjudicialização nas relações empresariais para reduzir as despesas com o Judiciário. Na pauta da defesa do consumidor, por exemplo, a plataforma de conciliação Consumidor.gov.br, criada no governo Dilma Rousseff, vem ganhando relevância e bateu a marca de 1 milhão de casos no ano passado, com 80% de êxito e duração de 6 dias cada.
— São 800 mil processos que deixaram de entrar no Judiciário. Considerando que cada processo custa R$ 2 mil ao ano e eles duram em média 3 anos, são R$ 6 mil a menos por processo — diz Luciano Timm, especialista em direito econômico e ex-secretário de Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça, na gestão Sergio Moro.
— Há que se estabelecer uma forma de solução fora do judiciário. É uma discussão de política pública de distribuição e acesso. Gastamos R$ 90 bilhões com um Judiciário ineficiente que atende a uma minoria, e R$ 15 bilhões em saneamento. Em nenhum país do mundo o Poder Judiciário funciona dessa maneira disforme — diz Timm.
Na sua opinião, embora obrigue as partes a primeiro esgotar a via da conciliação, a medida não configura restrição de acesso, uma vez que advogados estão envolvidos na negociação da conciliação.
— Nenhum acesso é irrestrito. Judiciário é como uma rua, tem que ter limite. Nenhum país do mundo tem 80 milhões de processos — completa Luciano, que diz não ver prejuízo no acesso à Justiça.
No entendimento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a medida é inconstitucional e um cerceamento ao direito de acesso à Justiça.
— Conceitualmente somos a favor de explorar a via da conciliação. É mais barato e dinâmico. Mas é inconstitucional obrigar o cidadão a procurar a conciliação antes de levar para o Judiciário. Você não ressalva os casos de urgência — diz Ricardo Toledo, vice-presidente da OAB-SP.
Para ele, só uma mudança cultural, que começa com uma modernização no currículo das faculdades, poderia levar os advogados a reduzir a litigância e buscar a alternativa da conciliação extrajudicial. — Antigamente os advogados recebiam um valor mensal. Hoje cada vez mais os advogados recebem no êxito da causa. Isso ajuda a querer dar celeridade na solução dos problemas — completa.
Fonte: O Globo