Apesar de ter cedido em votação no Congresso, o governo planeja recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal) contra a prorrogação, até o fim de 2021, da desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia.
Segundo membros do governo, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é obrigado a apresentar uma fonte para compensar a desoneração da folha. Na avaliação dos interlocutores, como o recurso não foi discriminado pelos congressistas, só restaria ao Executivo recorrer à Justiça.
Na avaliação de integrantes do Planalto, há precedente para que o Supremo derrube o ato dos parlamentares. A decisão final de ir à Justiça, caberá a Bolsonaro e passará por análise da SAJ (Subchefia para Assuntos Jurídicos).
O ministro Paulo Guedes (Economia) queria que, em vez de prorrogar a medida para alguns setores, o incentivo tributário fosse amplo. Em troca, seria criado um novo imposto de forma que a arrecadação federal fosse mantida. A ideia, na prática, era deixar de taxar a contratação de mão de obra e arrecadar de outra fonte.
Diante da reação negativa do Congresso em debater a criação de um imposto durante o período eleitoral, o governo decidiu enviar apenas após as eleições o projeto que estabelece uma nova CPMF ou fonte de compensação atrelada à desoneração da folha de pagamentos de todos os setores.
Apesar da adesão de interlocutores do Palácio do Planalto à votação que estende a medida por mais um ano, pelo menos três assessores de Guedes relataram à Folha que membros da pasta continuam defendendo que a questão seja levada à Justiça. Na articulação política do governo, a ação no STF é dada como quase certa.
Haveria, de acordo com eles, disposição em usar a interpretação de que a lei em questão fere a Constituição. Com isso, poderiam torná-la sem validade.
O argumento do time de Guedes é que, desde novembro do ano passado, quando entrou em vigor a reforma da Previdência, fica proibido conceder novos descontos que reduzem a arrecadação que banca as aposentadorias do setor privado.
Portanto, para a equipe econômica, seria necessária uma nova alteração na Constituição para que a derrubada do veto (ou seja, a postergação da desoneração) seja legal.
Parecer da Câmara, entretanto, contestou o argumento da Economia e concluiu que a prorrogação não seria inconstitucional.
A conclusão da Mesa Diretora da Câmara é que estender o benefício estaria de acordo com Constituição, pois o incentivo fiscal já é dado a empresas de setores com alto grau de mão de obra.
Técnicos afirmaram que, como a desoneração da folha já existia, a medida poderia ser prorrogada, pois a reforma da Previdência impediria apenas a criação de novos benefícios.
Procurado, o Ministério da Economia não quis comentar se pretende acionar a Justiça. A desoneração da folha, adotada no governo petista, permite que empresas possam contribuir com um percentual que varia de 1% a 4,5% sobre o faturamento bruto, em vez de 20% sobre a remuneração dos funcionários para a Previdência Social (contribuição patronal). Isso representa uma diminuição no custo de contratação de mão de obra.
Atualmente, a medida beneficia companhias de call center, o ramo da informática, com desenvolvimento de sistemas, processamento de dados e criação de jogos eletrônicos, além de empresas de comunicação, companhias que atuam no transporte rodoviário coletivo de passageiros e empresas de construção civil e de obras de infraestrutura.
O incentivo tributário terminaria em 31 de dezembro de 2020. O Congresso, nesta quarta, decidiu estender esse prazo até o fim de 2021.
Empresários desses 17 setores, que reúnem cerca de 6 milhões empregos diretos, dizem que não suportariam um aumento de custo e que 1 milhão de pessoas poderiam perder os empregos com o fim da desoneração.
Nos últimos anos o governo recorreu ao TCU (Tribunal de Contas da União) e ao STF quando entendeu que a derrubada de vetos fazia com que a lei aprovada deixasse de cumprir regras fiscais ou constitucionais.
A ideia do governo agora seria recorrer ao STF e posteriormente mandar novo projeto ao Congresso prevendo desonerar a folha de pagamentos de todos os setores, mas atrelado a uma fonte de compensação.
Em uma rede social, o ministro Bruno Dantas, do TCU, reconheceu que o debate sobre a prorrogação de isenções fiscais era político e estava sendo tratado pelo Congresso, o foro competente. “Juridicamente, porém, vejo inconstitucionalidade na lei que pode surgir da derrubada do veto por afronta à Lei de Responsabilidade Fiscal”, escreveu.
Nesta quarta, após a derrubada do veto pela Câmara, o líder do governo no Congresso, o senador Eduardo Gomes (MDB-TO), afirmou que a decisão de judicializar era do Executivo, mas que avaliava que isso não iria acontecer.
Na votação no Senado, o líder do governo na Casa, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), afirmou que apoiaria a derrubada, mas ressaltou que o veto era fundamentado por uma afronta à constitucionalidade. “Lembro até que, hoje, durante os entendimentos com os líderes, o ministro do Tribunal de Contas da União Bruno Dantas chamava a atenção de que a decisão política poderia ser tomada, mas ele ainda entendia que haveria problemas de constitucionalidade na derrubada do veto, ou seja, é importante que a gente possa revisitar esse tema para poder viabilizar o acordo”, afirmou.
Bezerra afirmou que uma saída poderia ser encontrada no relatório do senador Marcio Bittar (MDB-AC) da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial, onde seria possível “dar a saída constitucional para que a derrubada do veto não venha a ser discutida judicialmente.”
Integrantes do time de Guedes, porém, não acreditam que essa solução citada por Bezerra seja viável. O Congresso está em ritmo lento por causa das eleições municipais, e uma PEC tem tramitação lenta nas duas Casas.
Além do impasse jurídico, a postergação da medida que beneficia 17 setores da economia também envolve a necessidade de corte de R$ 4,9 bilhões em gastos previstos para o próximo ano.
Esse tipo de desoneração precisa ser compensada pelo Tesouro Nacional e, assim, é considerada uma despesa. Como o Orçamento tem um teto (norma que impede o crescimento dos gastos acima da inflação), deve-se fazer cortes para acomodar a prorrogação da medida.
Deputados e senadores que articularam a derrubada do veto querem buscar uma solução dentro da proposta orçamentária de 2021 para compensar a decisão.
Fonte: FolhaPress