De acordo com a Organização das Nações Unidas, até 2030, 90% da população brasileira viverá em áreas urbanas. Hoje, os desafios das cidades já são conhecidos de todos: habitação, segurança, saneamento, mobilidade, infraestrutura. O grave momento de crise política e econômica pelo qual passa o Brasil exige participação, responsabilidade e mobilização. E essa transformação da realidade socioeconômica nacional se dará, de acordo com o presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRio), através da participação efetiva da cidadania, da representatividade nos centros urbanos e de instituições que representam o setor produtivo.
“Vamos mudar o Brasil de baixo para cima. Porque se alguém quiser mudar por Brasília, não vai conseguir. Vamos mudar a direção do país a partir das eleições municipais de outubro”, destacou Paulo Protasio, dia 29 de março, durante a abertura do seminário “Ação Empresarial: O Brasil Não Pode Parar”.
O presidente da ACRio disse ainda que o país poderá ser mobilizado a voltar a crescer a partir de suas cidades, que irão fazer parte do roteiro olímpico. Serão 329 os municípios que irão receber o revezamento oficial da Tocha Olímpica. De acordo com Protasio, no Brasil, a grande dimensão geográfica e as desigualdades econômicas e sociais entre as regiões ampliam as dificuldades para lidar com problemas e novos desafios.
“A realização das Olimpíadas traz para nosso país uma bandeira muito oportuna para exercitar esta proposta de transformação nacional debaixo para cima, a partir das cidades. Nelas é que se dará a mobilização”.
Protasio ressaltou ainda que, em tempos de globalização, as relações entre as cidades se estreitaram tanto que surgiu o conceito de cidades-irmãs, aquelas que compartilham a mesma vocação: são fortes em pesquisa tecnológica, concentram muitas instituições financeiras, são referências culturais e assim por diante. Para o presidente da ACRio, os centros urbanos brasileiros têm totais condições de se unirem para alavancar suas economias e a do país. “Isso é um grande facilitador de relações econômicas entre elas”, disse.
“Nossa preocupação é ter no Brasil um lugar aonde a construção dessa nação possa ser alicerçada. E isso vai acontecer na convergência das regiões metropolitanas. Esse desafio urbano o estado do Rio já vive, com seus 19 municípios que fazem parte da Região Metropolitana. Queremos ampliar isso para todo o país”.
No primeiro painel, intitulado “Economia e Organização Institucional”, o ex-ministro da Fazenda e presidente do Conselho Empresarial de Políticas Econômicas da ACRio, Marcílio Marques Moreira, afirmou que o momento da vida nacional é extremamente frágil porque há uma “coincidência de crises”. Entre elas, de acordo com o ex-ministro, estruturais, conjunturais, cíclicas, políticas, econômicas, sociais e éticas.
“Raramente, nos meus 60 anos de vida pública, vi uma situação tão crivada de incertezas. A incerteza leva à paralisia. O Brasil não pode continuar parado. Ou pior, não pode retroceder, testemunhando um movimento de desconstrução institucional muito profundo e rápido, nesses últimos oito anos”, afirmou Marcílio.
O ex-ministro destacou ainda que algumas soluções já poderiam ter sido implementadas na tentativa de recuperação da economia brasileira. Entre elas, as reformas estruturantes na área fiscal, previdenciária e trabalhista, e a melhora do ambiente de negócios, com a simplificação do sistema tributário.
“Aumentar os juros para diminuir a inflação traria efeito negativo sobre o crescimento. Por outro lado, algumas medidas para estimular o crescimento podem bater em termos de inflação. É preciso ter calma, mas sem perder as esperanças de que o crescimento pode voltar se as medidas de equilíbrio fiscal forem plenamente implementadas”, avaliou Marcílio Marques Moreira.
O presidente do CE de Políticas Econômicas da ACRio destacou que há uma preocupação com a deterioração “inacreditável” das contas públicas. Isso porque, segundo Marcílio, o Brasil tem um “não sistema tributário, um não sistema orçamentário, um não sistema previdenciário”.
“Causa-me espanto que se fala só da parte financeira do sistema previdenciário. Partidos que se dizem pelo sistema social defendem um sistema que é mais injusto possível. Um funcionário público ganha oito vezes mais do que um operário da iniciativa privada”, completou.
Marcílio Marques Moreira disse ainda que o Brasil tem um governo que não governa, por não tomar as decisões. O ex-ministro afirma que há bons profissionais em todas as instituições. Petrobras, Banco Central e outras. Entretanto, “a situação está tão crítica que tantos os maus quanto os bons se paralisam diante de uma situação incerta e complexa, onde há uma realimentação entre o político e o econômico, entre o econômico e o social, entre o judicial e o policial”, concluiu.
Crise Financeira
Ainda no primeiro painel, o professor titular da UFRJ, Ney Ottoni de Brito, afirmou que a dívida bruta brasileira, de 67% do PIB, vai crescer e superar 80% do PIB em poucos anos. Ainda de acordo com o economista, a precariedade financeira federal propaga-se para as finanças estaduais e torna precárias as operações em áreas críticas de atuação governamental, como saúde, educação e segurança.
“Acuados, o governo central, bem como os estaduais, não têm opção a não ser dobrar as apostas erradas e elevar impostos onerando a atividade produtiva e todos os segmentos contribuintes. E todas as iniciativas do setor empresarial no sentido de implementar reformas estruturais que tornem o país mais competitivo são diluídas no processo político e não resultam em absolutamente nada. As propostas de reformas estruturais têm sido constantes e são sistematicamente rejeitadas pelo sistema político”, lamentou Ney Brito.
O especialista em finanças públicas, José Roberto Afonso, acredita que a hora é oportuna para aperfeiçoar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Como coordenador da equipe técnica que preparou o projeto do governo da LRF, em 1998, Afonso acha que a LRF teve um impacto positivo, sobretudo nas finanças de Estados e municípios, em relação aos quais a lei estabeleceu limites de endividamento. “Precisamos aprimorar a Lei de Responsabilidade Fiscal regularmente”, afirmou Afonso.
O especialista opina que, nos últimos dezesseis anos, ocorreram apenas duas mudanças estruturais importantes no país: o projeto que alterou a LRF para melhorar as condições de concessão de crédito pelos bancos públicos para empreendimentos feitos por parcerias entre o setor público e o privado, e o Simples Nacional.
Segundo Afonso, no Simples, a carga de tributos federais é de 4,95%, ante 8,77% pagos pelas empresas que declaram Imposto de Renda no regime de Lucro Presumido e 5,62% das que declaram pelo Lucro Real, onde estão as grandes empresas. José Roberto Afonso observou ainda que, no comércio, estão 53% das empresas optantes do Simples, num total de 1,4 milhão.
“As micro empresas são decisivas para o que está acontecendo no Brasil e poucos estão dando atenção. O Simples é que estava segurando emprego e arrecadação, até setembro, quando as micro e pequenas também entraram na maré das grandes empresas e passaram a demitir. Nós não vamos sair da crise fiscal isoladamente. Enquanto não se resolver a crise política, eu não vejo a menor hipótese de a gente conseguir resolver a crise econômica”, sentenciou o professor da FGV-RJ.
A moderação do segundo painel, “Reestruturação Política: Representatividade e Sistemas Eleitoral e Partidário”, ficou por conta do presidente da Associação Comercial de Minas Gerais (ACMinas), Lindolfo Paollielo. Referindo-se a um possível impedimento da presidente Dilma Rousseff, o dirigente disse que o Brasil vive hoje uma antevéspera de libertação.
Paollielo lembrou que a Frente Sudeste das Associações Comerciais, constituída pela ACRio, ACMinas, Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Associação Comercial e Empresarial do Espírito Santo (ACE-ES) e pelas respectivas federações, representam mais de mil associações e todas estão juntas no sentido de trabalharem para o desenvolvimento do país e para a transformação do atual governo.
“Um dos méritos do Protasio foi a assinatura, ano passado, do acordo da Frente Sudeste das Associações Comerciais. O líder desse movimento só pode estar no Rio de Janeiro. Devemos estar atentos ao papel do Rio de Janeiro no Brasil. Que ganha outros foros. Desde a Copa do Mundo e agora com a Olimpíada. As Associações Comerciais estão lidando principalmente com a questão das Regiões Metropolitanas”, informou.
Cláusulas de barreiras e proibição de coalizão para eleição proporcional
Para o cientista político e presidente da Biblioteca Nacional, Renato Lessa, “não existe sistema eleitoral imune à ação dos patifes”. Ele disse ainda que adoraria ouvir dos governantes que nenhum investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) será nomeado. Sobre a reestruturação política, Renato Lessa considera importante a adoção de algumas medidas. Entre elas, a criação de cláusulas de barreiras e a proibição de coalizão para eleição proporcional, o que, segundo o cientista político, “é uma traição ao eleitor”.
“Essas duas medidas, por si só, teriam o efeito de reduzir a margem de predação, pois, deixariam de fora operadores políticos oportunistas e exigiria da organização política o mínimo de enraizamento no país. Se nos aventurarmos um pouco mais para salvar o princípio da proporcionalidade, é fundamental que o STF proponha o redesenhamento dos distritos eleitorais brasileiros”.
O quarto painel, intitulado “Reestruturando os Fundamentos Legais”, foi moderado pelo 1º vice-presidente da ACRio, Ronaldo Chaer. Ele destacou que é preciso reacender os ideais da “Ação Empresarial”, movimento liderado pela ACRio que, em 1988, na discussão da Constituinte, obteve avanços em temas importantes, como a queda do monopólio do petróleo e das telecomunicações.
“Em 1988, nós fizemos a Ação Empresarial, uma atuação política apartidária para que motivássemos os congressistas a aprovarem nossos temas. E fomos vitoriosos em algum deles”.
Chaer afirmou que a Ação Empresarial vai ser retomada, no sentido de levar aos congressistas de hoje os resultados do seminário, por meio de um documento que consubstancie as propostas. “As propostas de recuperação nacional que foram levantadas no seminário vão compor esse texto que será produzido e encaminhado aos representantes públicos do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto”, assegurou.
A Procuradora Regional da República no Rio de Janeiro, Silvana Batini, também participou. Ela disse que a Operação Lava Jato é inédita, exitosa e desafiadora. Inédita porque, pela primeira vez, prendeu um senador no exercício de seu mandato, Delcídio Amaral (PT-MS). Exitosa porque já deixou um legado de longo prazo no combate à corrupção. Com mais de dois milhões de assinaturas colhidas em todo o país, o projeto 10 Medidas Contra a Corrupção, iniciativa do Ministério Público Federal, inspirado na Lava Jato, foi entregue ao Congresso
Fechado o evento, o presidente da ACRio, Paulo Protasio, lembrou que seu mandato à frente da instituição vai até 2017. Ele disse que até lá, existem grandes objetivos a serem alcançados, entre eles, uma ação que incorpore o Rio de Janeiro e o país nas cadeias produtivas a nível global.
“A ação que está sendo feita para o esquema das olimpíadas, se trabalharmos com as Associações Comerciais e com as respectivas Prefeituras, esse conteúdo pode ser a mudança de comportamento que estamos pensando”, concluiu Protasio.
O seminário “Ação Empresarial: O Brasil Não Pode Parar” foi realizado pela ACRio em parceria com a Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), Associação Comercial de São Paulo, Associação Comercial e Empresarial de Minas Gerais, Associação Comercial e Empresarial do Espírito Santo, Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado do Rio de Janeiro, Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo, Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado de Minas Gerais, Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Espírito Santo, Sociedade Nacional de Agricultura, ABI e Instituto dos Advogados Brasileiros.
Fonte: ACRio