A fim de desburocratizar e simplificar a legislação trabalhista, o governo federal consolidou, em 15 normas, mais de 1000 decretos, portarias e instruções normativas. O Decreto 10.854/2021, chamado de Marco Regulatório Trabalhista Infralegal (MRTI), foi assinado em novembro pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto, em Brasília (DF). Em seu discurso durante a cerimônia de assinatura do decreto, o ministro do Trabalho, Onyx Lorenzoni, afirmou que a medida combate “o emaranhado burocrático, tributário e ambiental que afetam os investimentos no Brasil”.
“O passo de hoje é extraordinário. A decisão de estabelecermos um programa permanente de simplificação e desburocratização trabalhista vai garantir, a todos aqueles que empreenderem no Brasil, que com simplicidade e eficiência pode transformar as vidas das pessoas”, declarou Lorenzoni.
Alessandra Boskovic, doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e pesquisadora do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social na Universidade de São Paulo (GETRAB-USP), destaca que diversos estudos mostram que o grau de segurança jurídica de um determinado país está diretamente ligado ao desenvolvimento socioeconômico desse país.
“Por fomentar a segurança jurídica, esse marco regulatório acaba indiretamente promovendo e estimulando o mercado de trabalho”, falou a especialista para o jornal O Tempo.
Segundo o Ministério do Trabalho e Previdência (MTP), o decreto “traz modernidade, praticidade e celeridade, sem perda de direitos trabalhistas”, publicou em seu site. Para o Dr. Lucas Braga, sócio no escritório Freire & Braga Advogados e especialista em Direito do Trabalho, Empresarial e Tributário, o MRTI é uma inovação e traz avanços para o país.
“O Marco chega como uma grande ideia inovadora para todos, trazendo novidades e sempre com este conceito de diminuir a burocracia e facilitar para ambos os lados, algo que quem trabalha diretamente na área sempre pediu. Esta desburocratização do Direito Trabalhista é válida para todos e representa um avanço para o país”, afirma o advogado.
Impactos do Marco
O Marco Regulatório impacta significativamente todo o ordenamento jurídico trabalhista, com uma série de conceitos novos, como por exemplo, possibilitando que o trabalhador tenha mais flexibilidade para receber os recursos a título de alimentação. Por outro lado, também traz novidades para os empregadores, como o reconhecimento do ponto eletrônico.
“Essas normas apresentam novos mecanismos e conceitos que beneficiam muito a empresa nesse reconhecimento, de modo que seja cada vez mais claro e fidedigno com a realidade o período que de fato o trabalhador laborou na empresa”, diz Lucas Braga.
Já a Dra. Renata Vieira Fonseca, associada da Covac Sociedade de Advogados e professora de Direito do Trabalho, diz que há contradições em relação ao registro de ponto que “acabam por gerar insegurança não só ao trabalhador quanto ao empregador no sentido de adotar o regramento sem gerar passivo”.
Do que trata o MRTI?
Para unificar os decretos, portarias e instruções normativas em 15 atos, foram realizadas 10 consultas públicas, que geraram mais de 6 mil contribuições da sociedade. Ao todo, o documento aborda 18 temas da legislação trabalhista, como carteira de trabalho e aprendizagem profissional.
“As normas ali descritas tratam de assuntos variados, como a concessão do vale alimentação e lugares que devem aceitar o vale, até a utilização de meios tecnológicos para registro do ponto eletrônico, por exemplo. Elas abordam regras de fiscalização das normas de proteção, saúde e segurança do trabalho, além de outras questões do cotidiano do empregador e do trabalhador”, explica Renata Vieira.
A especialista esclarece que as regras que tratam de um mesmo assunto foram reunidas e adequadas aos recursos tecnológicos atuais. Também ficam proibidas as ações de fiscalização baseadas somente em notas técnicas, guias e manuais do Ministério do Trabalho e Previdência.
“Há uma clara restrição do poder fiscalizatório do Ministério Público do Trabalho, quando sabidamente e historicamente o Ministério Público tem o poder de fiscalizar a aplicação da legislação trabalhista, atuando em conjunto com os Fiscais do Trabalho”, pontou a professora de Direito do Trabalho.
No entanto, a previsão do Ministério do Trabalho é que as normas do Marco sejam revistas a cada dois anos. Renata Vieira diz que o Decreto 10.854/2021 ainda “não tem muita clareza ao dispor sobre a criação da comissão permanente de estudo, que tem por objetivo criar o programa para compilar e organizar a legislação trabalhista – visando simplificar”.
O secretário-executivo do Ministério do Trabalho e Previdência, Bruno Dalcolmo, reforçou que o MRTI faz parte da estratégia do governo federal de melhoria do ambiente de negócios e aumento da competitividade da economia brasileira. Lembrou ainda que a grande quantidade de regras prejudicava os empresários e a simplificação da legislação trabalhista, em 15 atos, permitirá que empresas e trabalhadores possam conhecer e fazer valer seus direitos.
“Fizemos a consolidação normativa; a eliminação de tudo que era burocracia, desnecessário, qualquer exigência que não tinha previsão em lei; e a revisita de 100% das normativas, que foram modernizadas. É um trabalho de fôlego, com quase dois anos de trabalho”, afirmou Dalcolmo em evento realizado pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG).
Entenda o MRTI
Entenda os principais tópicos dos normativos que compõem o Marco Regulatório Trabalhista Infralegal, compilados por técnicos do MTP:
Competências da Auditoria-Fiscal do Trabalho (art. 16 do Decreto n° 10.854/2021)
A fiscalização do cumprimento das normas de proteção ao trabalho e de segurança e saúde no trabalho é competência exclusiva da Auditoria-Fiscal do Trabalho. Assim, a competência da União para organizar, manter e executar a inspeção do trabalho é exclusiva, sendo inconstitucional e ilegal a atuação legislativa e administrativa de outros entes federativos em referido âmbito.
Prioridade ao Planejamento da Inspeção do Trabalho (§5°, art. 18 do Decreto n° 10.854/2021)
As mudanças primam pela atuação em atendimento prioritário ao planejamento da fiscalização em relação àquelas provenientes de denúncias, requisições ou pedidos de fiscalização. De todo modo, há situações, taxativamente previstas, de atendimento de demandas pela Inspeção do Trabalho que se sobrepõem ao planejado: trata-se de irregularidades de demandam atuação urgente em face da gravidade das violações envolvidas.
Modelo estratégico de atuação da Inspeção do Trabalho (art. 19 do Decreto n° 10.854/2021)
O planejamento da Inspeção do Trabalho contemplará atuação estratégica por meio de Ações Especiais Setoriais (AES) para a prevenção de acidentes de trabalho, de doenças relacionadas ao trabalho e de irregularidades trabalhistas, com abordagem proativa, preventiva e coletiva, tendo por base o diálogo setorial e interinstitucional.
A atuação estratégica por meio de Ação Especial Setorial não constitui pré-requisito para realização de quaisquer fiscalizações, tampouco procedimento obrigatório de atuação da Inspeção do Trabalho, assim como não autoriza o descumprimento das normas de proteção ao trabalho, inclusive as de segurança e saúde no trabalho.
Procedimentos de Fiscalização
Quanto aos procedimentos de fiscalização, além da atuação preventiva, destacam-se os dispositivos atinentes:
Art. 21 do Decreto 10.854/2021: à autuação pela Inspeção do Trabalho, o qual prevê a indicação expressa dos dispositivos legais e infralegais ou as cláusulas de instrumentos coletivos que houverem sido infringidos, bem como vedação para determinar o cumprimento de exigências que constem apenas de manuais, notas técnicas, ofícios circulares ou atos congêneres;
Capítulo IX do Decreto n° 10.854/2021: estabelece diretrizes às empresas prestadoras de serviços a terceiros, cujas relações de trabalho deverão observar as regras ora publicadas.
LIT – Livro de Inspeção do Trabalho (art. 11 do Decreto n° 10.854/2021)
O LIT passará a ser emitido de forma eletrônica (eLIT), com o objetivo de tornar ágil a comunicação entre administração e administrado, com desenho do sistema, alinhado à Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019), e garantia de tratamento diferenciado para microempresas e empresas de pequeno porte. A implementação ocorrerá a partir do desenvolvimento da solução de tecnologia e disciplinamento por meio de ato do Ministério do Trabalho e Previdência.
Prêmio Nacional Trabalhista (art. 10 do Decreto n° 10.854/2021)
Inova-se ao se instituir o Prêmio Nacional Trabalhista, para prestigiar e fomentar iniciativas e estudos por parte dos Auditores-Fiscais do Trabalho.
Registro Eletrônico de Ponto (REP e CAREP)
O Decreto nº 10.854, de 10/1121 e a Portaria 671, de 08/11/21, trouxeram nova regulamentação sobre o registro eletrônico de controle de jornada, classificados em três tipos de registradores: REP-C Registrador Eletrônico de Ponto Convencional, REP-A Registrador Eletrônico de Ponto Alternativo e REP-P Registrador Eletrônico de Ponto via Programa (artigo 75 da Portaria 671, de 08/11/21).
Foram mantidas as disposições referentes ao controle manual e ao controle mecânico de jornada, os quais passam a ficar centralizados em um único normativo que abarca, também, os controles eletrônicos de jornada, conforme a Portaria 671, de 08/11/2021.
A regulamentação desburocratiza sem perda da segurança jurídica nos controles de jornada. O novo REP-P possibilitará aos empregadores disponibilizar registradores de ponto com a utilização das novas tecnologias, como a marcação de ponto mobile. O REP-C, modelo criado pela Portaria 1.510, de 21/08/09, continuará existindo e atendendo às necessidades dos vários setores da economia, em especial, para os estabelecimentos e plantas produtivas fixas. A negociação coletiva continua a ser contemplada e celebrada, ao permitir a autocomposição na formulação dos sistemas REP-A, por meio de instrumentos coletivos de trabalho.
A Portaria nº 671, de 08/11/21 não prevê a obrigatoriedade do empregador em efetuar o cadastro de Equipamento Convencional Registrador Eletrônico de Ponto – REP ao sistema CAREP (exigência antes contida no artigo 20 da Portaria 1.510, de 21/08/09). Ressalta-se que a Portaria nº 373, de 25/02/11 já não o exigia para os Sistemas Alternativos de controle de jornada. Os fabricantes permanecem com a obrigação de realizar o registro dos modelos de equipamentos REP convencionais junto ao Ministério do Trabalho e Previdência (art. 92, da Portaria 671 de 08/11/21), bem como os empregadores permanecem com a obrigação de possuir Atestado Técnico e Termo de Responsabilidade emitido pelos fabricantes ou desenvolvedores dos equipamentos ou programas quando utilizarem sistemas de registro eletrônico de ponto (art. 89, § 4º da Portaria 671 de 08/11/21).
Os instrumentos normativos devem acompanhar a dinâmica do mercado e o desenvolvimento tecnológico, funcionando como um elemento norteador para a manutenção da segurança jurídica dos atores envolvidos. Assim, o Decreto e a Portaria cumprem seu papel de modernizar os controles de jornada, na medida em que abarca o desenvolvimento tecnológico e mantém a segurança jurídica, imprescindível nas relações de emprego e trabalho.
Aprendizagem
A Portaria 671, de 08/11/21, consolida as normas infralegais da Aprendizagem Profissional em relação à matéria trabalhista e à formação técnico-profissional. Em destaque, a alteração dos procedimentos de habilitação de entidades qualificadoras e de autorização de cursos de aprendizagem e a ampliação das regras para a oferta da Aprendizagem na modalidade à distância.
Em temas exclusivos da Inspeção do Trabalho, o novo dispositivo abarcou a Portaria nº 693, de 23/05/17, que dispunha sobre o cumprimento alternativo da cota de aprendizagem, estimulando a inclusão social pela Aprendizagem Profissional, e transportou para o nível de Portaria importantes procedimentos fiscais previstos em Instrução Normativa, tais como os requisitos do contrato de aprendizagem, as regras para centralização e transferência de aprendizes, as hipóteses de rescisão de contrato do aprendiz, a garantia provisória de emprego do aprendiz, a impossibilidade de alteração da cota por instrumento coletivo, as regras para a suspensão de entidades e cursos e para descaracterização do contrato de aprendizagem.
Outras inovações: inclusão de competências socioemocionais como diretriz para o desenvolvimento dos curso de aprendizagem; aumento da carga horária teórica voltada ao desenvolvimento de competências técnicas, ampliação das hipóteses de execução de cursos na modalidade à distância; possibilidade de que os estabelecimentos de prestação de serviços a terceiros realizem as atividades práticas dos contratos de aprendizagem na empresa contratante do serviço terceirizado; além da desburocratização e simplificação do processo de análise do requerimento de Habilitação das Entidades Qualificadoras.
Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS)
Havia 12 portarias vigentes que tratavam de emissão e de registro na CTPS. A Portaria SPPE nº 85 de 18/06/18, por exemplo, previa procedimentos distintos para emissão de carteira de trabalho para estrangeiros, dependendo da sua nacionalidade, tipo de visto no país ou residência em área de fronteira. O processo foi unificado. Também foi simplificada a apresentação da documentação por parte do cidadão, nos casos excepcionais de emissão do documento físico, bem como a utilização do CPF como identificação única.
Destaca-se que a emissão de CTPS física é residual. Qualquer pessoa com CPF pode acessar sua Carteira de Trabalho Digital por meio do aplicativo. A partir de 23 de setembro de 2019, a CTPS em meio físico não é mais necessária para a contratação na grande maioria dos casos. Para o trabalhador, basta informar o número do CPF no momento da contratação. Para o empregador, as informações prestadas no eSocial substituem as anotações antes realizadas no documento físico.
A previsão atual é de que haja a emissão de carteira em papel apenas para os trabalhadores identificados em condições de trabalho análogas à de escravidão.
Segurança e Saúde no Trabalho
A Portaria nº 672/21 consolidou grande parte da matéria de segurança e saúde no trabalho em um único ato administrativo. Vale ressaltar que as Normas Regulamentadoras permanecem em legislação apartada.
Vale-Transporte
A principal mudança se refere à previsão da concessão do benefício aos empregados domésticos, cujas regras foram modificadas pela Lei Complementar nº 150, de 01/06/15, que dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico. Pela regra do art. 19, parágrafo único, da LC nº 150/15, o benefício do Vale-Transporte poderá ser substituído, a critério do empregador, pela concessão, mediante recibo, dos valores para a aquisição das passagens necessárias ao custeio das despesas decorrentes do deslocamento residência-trabalho e vice-versa. Dessa forma, essa exceção à vedação de antecipação em dinheiro, já prevista em lei, passou a figurar na proposta.
Na redação até então vigente, os empregados devem informar às empresas, anualmente, dados pessoais tais como endereço e meios de transporte mais adequados para o deslocamento. Por sugestão da consulta pública, a exigência deixa de ser anual, visto que tais dados não mudam com tanta constância, passando a ser exigidos apenas quando houver mudança de fato que o justifique.
Gratificação Natalina
A matéria é atualmente regulamentada pelo Decreto nº 57.155, de 3/11/65 e o texto proposto foi reproduzido como o vigente, sendo renumerados os artigos e as remissões e atualizado o vernáculo, permanecendo inalteradas as regras vigentes. Conforme sugestão da consulta pública, foi acrescentada a possibilidade de compensação de adiantamento de gratificação com outro crédito de natureza trabalhista, em caso de rescisão de contrato, em consonância com a Lei nº 4.749, de 12/08/65.
Relações de trabalho – Registro Sindical e Mediações Coletivas de Trabalho
No âmbito dos normativos que integram o Marco Regulatório Trabalhista Infralegal, foi publicada a Portaria /MPT nº 671, de 08/11/21, que trouxe inovações no campo das relações do trabalho, sobretudo no que se diz respeito às mediações coletivas de trabalho e aos procedimentos para registro de entidades sindicais e de empresas de trabalho temporário.
Sobre o registro de empresas de trabalho temporário, por exemplo, a redação foi simplificada para se adequar às alterações promovidas pelas Leis nº 13.467/2017 e nº 13.726/2018. Assim, deixaram de ser exigidos documentos como a Relação Anual de Informações Sociais – RAIS, a certidão negativa de débito previdenciário – CND, e a prova de recolhimento da contribuição sindical patronal.
Destaca-se, também, no texto do marco normativo, a possibilidade de realização de mediações de conflitos coletivos de trabalho de forma virtual, através do emprego de recursos tecnológicos de transmissão de sons e imagens em tempo real. Com isso, ampliou-se o alcance da prestação desse serviço ao possibilitar a sua realização em locais onde não existem unidades de relações do trabalho ou servidores habilitados a desempenhar tal função.
No que se refere ao registro de entidades sindicais no Ministério do Trabalho e Previdência, o normativo possibilitou tanto a eliminação de formalidades e exigências, quanto a aplicação de soluções tecnológicas para simplificar e dar celeridade aos processos, seguindo diretrizes de desburocratização, princípio de transparência, e presunção de boa-fé.
Foram dispensados, por exemplo, documentos comprobatórios pertinentes às informações de diretoria, endereço ou filiação, bem como registro em cartório da Ata de apuração, eleição e posse dos dirigentes, bastando apenas a declaração da entidade.
Outra inovação foi o incentivo à restruturação do sistema sindical pela aglutinação de entidades, uma vez que os pleitos de incorporação e fusão agora têm prioridade de tramitação. Além disso, o normativo previu a disponibilização eletrônica da Certidão Sindical, antes assinada manualmente e enviada às entidades sindicais pelo sistema dos Correios.
A nova Portaria permite a automatização de atualização de dados perenes, por meio do portal de serviços gov.br. A novidade impactou diretamente na eficiência e produtividade da equipe, já que os servidores, antes designados a analisar as mais de 5 mil solicitações anuais dessa categoria, puderam ser realocados em outras atividades que necessitavam de apoio.
*Com informações da Agência Brasil, jornal O Tempo e MTP